Educar na Era Digital: Caminhos Práticos e Reais para Professores que Querem Avançar com Propósito

Emanuelle Schneider Atania

maio 8, 2025

Ensinar, hoje, é quase como caminhar sobre um terreno que se transforma constantemente — e isso não é metáfora poética. É um fato. As dinâmicas de sala de aula mudaram, as demandas dos alunos se multiplicaram e o universo digital se expandiu com tal velocidade que muitos educadores se veem divididos entre a curiosidade e a exaustão. Afinal, como manter a qualidade do ensino, acompanhar as novidades tecnológicas, lidar com pressões institucionais e ainda preservar o sentido humano da educação?

Este artigo não pretende romantizar o uso da tecnologia em sala de aula, tampouco oferecer fórmulas prontas. A proposta aqui é outra: apresentar uma leitura realista, prática e sensível sobre como educadores — das mais diversas áreas — podem se apropriar, de forma intencional e gradual, das ferramentas digitais. Com isso, não só atualizam suas práticas, mas também redescobrem sentidos na profissão, reinventando-se com autenticidade e propósito.

Como bem aponta Paulo Freire (1996), ensinar exige coragem, generosidade e humildade para aprender continuamente. Nessa perspectiva, o uso das tecnologias deve ser compreendido não como imposição, mas como oportunidade: uma chance de ampliar repertórios, estimular novos formatos de engajamento com os alunos e, sobretudo, fortalecer o papel do professor como mediador de experiências significativas.

O ponto de partida: não é sobre virar técnico, mas ampliar repertório

Existe uma narrativa recorrente, que paira como uma sombra sobre muitos professores: a ideia de que é preciso dominar todas as tecnologias para ser um educador atualizado. Essa cobrança, muitas vezes vinda das instituições ou do próprio senso de inadequação, é paralisante. É comum ouvir relatos como: “não entendo nada disso”, “não sou dessa geração”, “isso não é pra mim”. E é justamente aí que precisamos intervir, com firmeza e acolhimento: ninguém precisa ser especialista em tecnologia para usá-la com inteligência pedagógica.

O professor segue sendo, e continuará sendo, a figura central na experiência educativa. O uso de recursos digitais não substitui o vínculo humano, a escuta atenta, a sensibilidade para lidar com o ritmo de cada turma. Como afirma Moran (2020), o essencial é compreender o potencial pedagógico da tecnologia — ou seja, o que ela pode agregar ao processo de ensino-aprendizagem.

Ampliar repertório, nesse caso, não é decorar funcionalidades de aplicativos ou aprender programação. É, sobretudo, refletir criticamente sobre o que faz sentido para o seu contexto específico de ensino. Por exemplo, um professor de história pode encontrar no uso de mapas interativos uma forma mais envolvente de trabalhar os conteúdos. Já uma professora de literatura pode explorar podcasts como ferramentas de leitura comentada, trazendo novos formatos de escuta e interpretação.

A chave está na intenção pedagógica. O recurso digital, por si só, não tem valor. Ele só se torna significativo quando articulado com os objetivos de aprendizagem e adaptado à realidade dos alunos. Nesse sentido, cabe ao professor escolher o que vale a pena experimentar — sem culpa por não dominar tudo, e com liberdade para adaptar as ferramentas à sua maneira de ensinar.

Além disso, há um ganho subjetivo nesse processo. Professores que se abrem à experimentação digital frequentemente relatam redescobertas: sentem-se mais engajados, criam novos vínculos com os estudantes e passam a ver a sala de aula com outros olhos. Esse movimento de atualização — quando feito com cuidado e respeito ao próprio ritmo — não só melhora a prática pedagógica, mas também fortalece o sentido do trabalho docente.

Por isso, o primeiro passo é mental: não se trata de virar técnico, mas de assumir uma postura curiosa, investigativa e flexível diante das possibilidades. Como diz a pesquisadora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida (2017), a formação docente na era digital exige uma atitude reflexiva e autoral diante da tecnologia, o que implica escolhas fundamentadas, e não meras repetições de modismos educacionais.

Tecnologias acessíveis para começar já

Um dos maiores equívocos ao se pensar em inovação educacional é imaginar que ela depende de grandes investimentos ou ferramentas sofisticadas. A verdade é que muitos professores têm à disposição recursos digitais gratuitos e fáceis de usar que já são suficientes para transformar significativamente suas aulas — sem a necessidade de dominar linguagens complexas ou dispor de equipamentos de ponta.

Ferramentas como o Google Jamboard (quadro branco colaborativo online), Mentimeter (para enquetes e interações em tempo real), Kahoot! (quiz gamificado), Canva for Education (criação de materiais visuais) e o Padlet (painel digital interativo) são exemplos acessíveis, intuitivos e de grande potência pedagógica. Elas permitem desde a apresentação de conteúdos até a avaliação formativa, promovendo participação ativa dos alunos e desenvolvendo habilidades como colaboração, pensamento crítico e criatividade.

Mais importante do que dominar todas essas plataformas é saber escolher intencionalmente uma ou duas que façam sentido para o seu estilo de ensino e as necessidades da turma. Por exemplo: um professor que deseja estimular o protagonismo dos alunos pode utilizar o Padlet para criar murais temáticos, onde cada estudante contribui com uma postagem. Já uma professora que trabalha com ensino remoto ou híbrido pode lançar mão do Canva para produzir videoaulas curtas e visualmente atrativas.

Além disso, vale lembrar que as redes sociais, tão presentes no cotidiano dos estudantes, também podem ser exploradas com fins pedagógicos — desde que com cuidado e intencionalidade. Um perfil no Instagram pode se tornar um portfólio digital de projetos da turma; o YouTube pode servir como canal de compartilhamento de produções autorais; o WhatsApp pode funcionar como extensão da sala de aula para debates rápidos e trocas de materiais.

Como observa a pesquisadora Luciana Allan (2021), “a verdadeira inovação não está na tecnologia em si, mas na forma como ela é incorporada ao processo de ensino de maneira significativa”. Em outras palavras: não é sobre ter os melhores recursos, mas saber o que fazer com aquilo que se tem.

A dica prática aqui é: comece pequeno, com um recurso que você se sinta confortável para explorar. Teste com uma turma, ou até com um grupo de alunos. Veja como respondem. Ajuste o uso conforme as necessidades que forem aparecendo. E, se possível, troque experiências com colegas — muitos professores aprendem uns com os outros, em processos informais que são, muitas vezes, mais eficazes do que cursos longos e genéricos.

Formação continuada no ensino superior viável e realista

Quando se fala em formação continuada, muitos professores torcem o nariz — e com razão. A realidade é que, infelizmente, grande parte das capacitações oferecidas são genéricas, descoladas do cotidiano docente e repletas de jargões que pouco dialogam com os desafios reais de quem está na sala de aula. É por isso que pensar em formação viável e significativa passa por reconhecer o contexto do educador e propor caminhos que façam sentido para ele.

Em vez de cursos longos e teóricos, muitos professores têm encontrado nas microformações (também conhecidas como microlearning) uma forma mais leve e flexível de atualização. São cursos rápidos, muitas vezes em vídeo, com foco prático e direto ao ponto. Plataformas como o Centro de Mídias da Educação, o YouTube Edu, o Google for Education, algumas instituições de ensino e outras, oferecem conteúdos pensados justamente para atender essa demanda: tempo curto, linguagem acessível, aplicabilidade imediata.

Outro caminho eficiente é a autoformação orientada por projetos. Isso significa que, ao decidir implementar um recurso digital específico (por exemplo, utilizar o Canva em projetos interdisciplinares), o professor pode buscar tutoriais, materiais de apoio e fóruns de discussão relacionados à ferramenta. Assim, aprende fazendo — o que torna o processo mais orgânico e conectado ao seu planejamento real.

Grupos de estudo e comunidades de prática também têm ganhado força entre educadores. Ambientes como o Facebook, o Telegram ou mesmo grupos no WhatsApp têm funcionado como espaços colaborativos para troca de ideias, resolução de dúvidas e partilha de experiências. É o que a pesquisadora Andrea Ramal (2021) chama de “inteligência coletiva da formação docente”, um tipo de conhecimento que se constrói em rede e com afeto, longe das exigências formais, mas com alto valor formativo.

É claro que a formação institucional é importante — sobretudo quando contempla o tempo de planejamento e reconhece o esforço docente. No entanto, é urgente que as políticas educacionais compreendam que formar professores não é apenas oferecer cursos, mas criar condições concretas de aprendizagem ao longo da carreira, com escuta, valorização e acompanhamento contínuo.

Como lembra Nóvoa (2009), “ninguém é professor sozinho”. Por isso, investir na formação continuada — mesmo que com pequenos passos — é também investir na reconstrução coletiva da profissão, numa era em que a educação não pode mais prescindir da mediação digital.

Desafios na formação docente diante das novas exigências tecnológicas

A introdução de tecnologias digitais no cotidiano educacional impõe desafios que vão além da simples aquisição de habilidades técnicas. O docente, frequentemente formado em paradigmas pedagógicos mais tradicionais, enfrenta o desafio de ressignificar sua prática e sua identidade profissional num cenário em constante transformação.

Entre os obstáculos recorrentes, destacam-se a resistência à mudança, a insegurança diante do desconhecido e a dificuldade de selecionar, entre tantas ferramentas disponíveis, aquelas que efetivamente dialogam com seus objetivos pedagógicos. Além disso, muitos cursos de formação inicial ainda oferecem conteúdos defasados em relação às demandas digitais contemporâneas.

Nesse sentido, formações continuadas com caráter mais dialógico e prático são fundamentais. Tais espaços devem permitir ao professor experimentar, errar e reconstruir o próprio repertório pedagógico sem o peso de avaliações padronizadas. Como salienta Moran (2015), o processo de formação docente na era digital deve ser contínuo, colaborativo e centrado na prática — ou seja, mais oficina do que palestra.

Mais do que dominar plataformas, o professor precisa desenvolver o que autores como Tardif (2002) chamam de saber da experiência, agora transposto para um contexto digital: é a capacidade de articular conhecimentos técnicos, pedagógicos e éticos em ambientes híbridos, com senso crítico e criatividade.

Possibilidades transformadoras para a docência

Ao mesmo tempo em que impõe desafios, a cultura digital também amplia significativamente o potencial de atuação docente. Plataformas educacionais, ferramentas de gamificação, ambientes virtuais imersivos e recursos de inteligência artificial aplicados ao ensino são exemplos de caminhos possíveis para a reinvenção do fazer pedagógico.

A personalização da aprendizagem, por exemplo, deixa de ser uma utopia quando professores utilizam dados de desempenho para adaptar seus cursos às necessidades dos alunos. O uso estratégico de tecnologias, já permite experiências mais engajadoras e inclusivas.

Além disso, projetos colaborativos mediados por tecnologias — como webquests, podcasts ou fóruns interativos — valorizam a autoria e a construção coletiva do conhecimento. Segundo Kenski (2019), o uso consciente de recursos tecnológicos pode fortalecer a mediação docente, não substituí-la.

Essas possibilidades também ampliam a autonomia e a autoestima docente: ao se verem como curadores de conteúdos, mediadores de experiências e facilitadores de aprendizagens significativas, os professores se reposicionam frente ao saber, ao aluno e à própria profissão.

Caminhos para integrar tecnologias no cotidiano pedagógico

A integração de recursos digitais na prática pedagógica deve partir de um diagnóstico realista: quais são as condições materiais da Universidade, o perfil dos alunos, os objetivos de aprendizagem e o domínio tecnológico do professor? Não se trata de usar tecnologia por modismo, mas de fazer escolhas coerentes e possíveis.

Sugere-se começar pequeno, testando uma ferramenta por vez e avaliando seus impactos. Uma boa estratégia é o planejamento de “microtransformações”: substituir um recurso analógico por um digital, propor uma atividade tecnológica ao fim de um módulo ou incorporar vídeos curtos para introdução de conceitos. Esse tipo de mudança incremental tende a gerar maior adesão e menor resistência.

Por fim, investir em formação crítica sobre cultura digital é essencial. O professor do século XXI não deve apenas saber usar a tecnologia, mas também refletir sobre seu papel ético, político e educacional. Como aponta Paulo Freire (1996), toda prática educativa é também uma escolha de mundo — e as tecnologias, nesse contexto, são linguagens que expressam (ou limitam) esses mundos possíveis.

Reinventar-se com sentido

A tecnologia, por si só, não é solução mágica para os dilemas da educação, mas é indiscutivelmente uma aliada potente na construção de práticas pedagógicas mais significativas, inclusivas e coerentes com os tempos atuais. Cabe ao docente, como sujeito ativo e reflexivo, decidir como, quando e por que usar determinadas ferramentas, sempre à luz de seus objetivos formativos e dos contextos nos quais atua.

A era digital exige, portanto, um novo pacto: entre tradição e inovação, entre o saber consolidado e a abertura ao novo, entre técnica e ética. O professor não precisa saber tudo, mas precisa estar disposto a aprender sempre — e, mais ainda, a ensinar com sentido. Ao assumir a tecnologia como linguagem e não apenas como ferramenta, o educador amplia seu repertório, ressignifica sua prática e, sobretudo, reafirma seu papel como protagonista da transformação social pela via da educação.

Referências

LÉVY, P. (2011). Cibercultura. Ed. 34.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 6. ed. Campinas: Papirus, 2019.

LITTO, Fredric M.; FORMIGA, Marcos (Org.). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson, 2009.

MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. São Paulo: Papirus, 2015.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

Autora do artigo: Emanuelle Schneider
Formada em Desenho Industrial pela Universidade Mackenzie, pós-graduada pela UNESP em Fundamentos da Cultura e das Artes, Mestre e Doutora em Estética e História da Arte pelo PGEHA – Programa de Pós-graduação em Estética e História da Arte USP. Currículo Lattes

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