A revolução digital não pede licença para entrar na educação. Ela já está na sala de aula, no celular do estudante, nas bibliotecas digitais, nos ambientes virtuais de aprendizagem, nas videoaulas geradas por IA e nos sistemas de avaliação baseados em dados.
A questão não é mais se as tecnologias educacionais fazem parte do ensino superior — mas como o Estado brasileiro, por meio da regulação do Ministério da Educação (MEC), acompanha, orienta e normatiza essa transformação.
Nesse cenário, o papel do MEC é o de garantir que ele ocorra com qualidade, equidade e compromisso com os objetivos formativos previstos na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
As bases normativas da transformação
O principal marco da flexibilização curricular com suporte tecnológico no Brasil é a Portaria MEC nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, que autoriza que até 40% da carga horária total dos cursos presenciais de graduação seja ofertada na modalidade a distância, com exceção de cursos da área da saúde e engenharias (sujeitos a regulamentações específicas).
Essa portaria reconhece oficialmente que o digital não é mais um “complemento”, mas parte integrante da formação superior. A normatização da carga horária EaD representa um ponto de inflexão na política educacional, trazendo desafios institucionais como:
- garantir infraestrutura tecnológica compatível;
- assegurar mediação pedagógica qualificada;
- preservar o vínculo acadêmico com os estudantes;
- promover formação docente para o uso das tecnologias educacionais.
Diretrizes Curriculares e competências digitais
Outro avanço importante está refletido nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) propostas pelo Conselho Nacional de Educação, especialmente a partir de pareceres recentes como o CNE/CES nº 436/2023, que incorporam a cultura digital como eixo transversal da formação acadêmica.
As DCNs vêm sendo revistas para refletir o contexto de mudanças tecnológicas, prevendo a integração das TICs ao currículo, a valorização das metodologias ativas, o desenvolvimento de competências digitais e o estímulo à autonomia dos estudantes em ambientes virtuais de aprendizagem.
Essas diretrizes trazem à tona uma regulação com novo foco: mais competências e práticas do que conteúdos e disciplinas — refletindo a passagem de um modelo conteudista para uma educação baseada em habilidades e resolução de problemas, com forte apoio tecnológico.
Regulação da EaD: garantias e responsabilidades
No campo específico da educação a distância, o MEC e o CNE mantêm uma abordagem baseada em Referenciais de Qualidade. Um documento essencial é o Referencial de Qualidade para Educação a Distância (MEC/SESU), que exige:
- projeto pedagógico com identidade clara e coerente com a modalidade;
- infraestrutura digital robusta;
- tutoria qualificada com formação específica;
- política institucional de inclusão digital;
- sistemas de avaliação contínua e processual.
Ou seja, o uso de tecnologia é permitido — mas não irrestrito. Ele precisa estar ancorado em projeto institucional, mediado por profissionais preparados e sustentado por um compromisso pedagógico com a aprendizagem.
Entre flexibilidade e responsabilidade institucional
Com a crescente adesão a recursos como inteligência artificial generativa, realidade aumentada, simulações imersivas e aprendizagem baseada em dados, espera-se que novos instrumentos regulatórios sejam formulados pelo MEC.
O que se observa é um esforço de manter equilíbrio entre flexibilidade tecnológica e responsabilidade formativa. A regulação brasileira não tem sido um freio para a inovação, mas sim um sistema de vigilância normativa para que a transformação digital não comprometa qualidade, equidade e integridade acadêmica.
Cabe às instituições, portanto, ir além da adaptação formal e desenvolver projetos pedagógicos que incorporem criticamente a tecnologia como parte do currículo, e não como apêndice operacional.
Regulação como bússola em mares digitais
Em tempos de transformação tecnológica acelerada, a regulação cumpre um papel crucial: não o de barrar a inovação, mas o de orientar sua aplicação com critérios educacionais claros. Ao exigir consistência pedagógica, compromisso social e infraestrutura adequada, o marco regulatório se posiciona como bússola para instituições que buscam inovar com responsabilidade.
A digitalização da educação não é incompatível com seus princípios — desde que os marcos legais continuem a servir como base para inclusão, qualidade e formação ética, pilares inegociáveis da missão do ensino superior no Brasil.
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